31 de mai. de 2007

Lua azul

Duas vezes a Lua Cheia surge nos céus do mês.
Duas oportunidades nos dá o calendário de sonhar
Ou temer.
Duas pessoas são necessárias para que uma pessoa nasça;
Dois é o dia em que nasci.
Duas são as faces da Lua e das gentes:
A iluminada no clarão solar da consciência,
E a sombria, cheia de todas as esperanças e temores,
Como essa segunda Lua...
Lua das ninfas, Lua dos sonhos,
Lua das Musas e dos lobos.
A dama-da-noite silente canta
Cantam os gatos, crianças das sombras,
Criança da sombra eu mesmo, me calo.
Erguido o rosto ao céu noturno
Quedada a alma em suas profundas,
Sabendo-a bem ou mal
Como se haver consigo mesmo no final?
No final do mês, no final da Lua,
A Lua que não é minha ou tua.
Da Lua que é só azul
Azul da cor do meu coração...

O que fazer?

Dias muito frios, projeto de trabalho suspenso indefinidamente (bom demais para ser verdade, pelo menos tão de pronto...), monotonia. Aqui volta a ser a capital mundial do tédio mortal. Para seu azar, estimado leitor.
Talvez possa comentar os fatos relevantes na mídia, ela mesma cada vez mais decepcionante; quem sabe não sai um coelho dessa cartola?
O que temos? Os televisivos (qualificativo mais apropriado que famosos) não são relevantes, e nem mesmo interessantes, em sua repetição ad nauseam de futilidades; estão descartados de saída. Do mundo artístico propriamente dito, hoje em dia praticamente nada sei: há muitos anos não apresenta senão reciclagens mal feitas, em todas as áreas, razão pela qual prefiro ignorá-lo e apreciar obras mais antigas e criativas, quando posso.


O noticiário político promete, como o fazem sempre os políticos profissionais; diferentemente deles, saberá cumprir? Vejamos.
Mais um escândalo de corrupção no Congresso, detonado por denúncia de revista semanal: episódio reprisado, já vi esta comédia repetidas vezes e conheço de cor seu enredo e desfecho: ou uma representação de limpeza de quadros sem a subsequente punição daqueles que confundem ocupação pública com privilégio pessoal, ou o abafamento via conchavo entre iguais na praxe política (me intriga, a propósito, a facilidade dessas revistas em ter acesso a informações sensíveis a ponto de comprometerem mandatos zelosamente cuidados; estarei afinal paranóico?). Outro tanto se pode dizer das abundantes e espetaculosas operações da Polícia Federal e suas criativas denominações: resultam hoje em dia na prisão dos chamados ‘tubarões’, livrando-os poucas horas ou dias depois, às vezes pelas caladas (e não é que se chega a ler críticas ao fato de se deixarem escapar os ‘peixes pequenos’? O que quererá a mídia, despovoar o oceano social brasileiro?!). E o resultado parece ser sempre o mesmo, a nada saudável renovação dos quadros da corrupção e do desmando infiltrados nas instituições que deveriam servir ao povo e ao país. Num parágrafo, cabe a minha visão da situação sócio-política do país; já testemunhei tempos mais, digamos, interessantes nessa área...


Trará o noticiário internacional algo melhor? De pronto, o recente concurso de miss Universo me vem à mente; me pergunto se o calendário (ou meus olhos) não me estariam pregando uma peça: 2007? Por que me sinto nos anos ‘60, então? A impressão persiste quando considero o eterno litígio político-econômico do Oriente Médio, ou a disseminação mundial do entretenimento tosco e rasteiro made in USA, responsável pela agonia cultural mundial; ou, mais absurdo ainda, a pregação inquisitorial maquiada de simpatia piegas do chefe da igreja romano-alexandrina, que sonha com a restauração de uma fração do poder político/econômico/psicológico que ela perdeu com o advento do Iluminismo.
Tempos estranhos esses!


Minha atenção se volta para a revolução bolivariana na Venezuela. Aqui sim, algo diferente está acontecendo! À parte todos os erros e desencontros cometidos pelo governo revolucionário, chega a comover a coragem e fortaleza do povo venezuelano para repelir os covardes ataques que sua luta por justiça vem sofrendo, desde o seu início. O que só faz aumentar meu desgosto pela situação a que permitimos se chegasse no Brasil. Tristeza, tristeza!


Quem sabe se daqui mesmo do interior do estado, venha algo de interesse.

...

À exceção do atropelamento constante de animais na rodovia que da capital conduz a esses rincões, nada mais me chama a atenção. Começo a desesperar de ter algo para entreter meu leitor...
E confio que não esteja ele esperando conhecer algo de minha vida pessoal; não porque eu queira negar-lhe, mas por ela inexistir, desde..., bem, digamos que há muito tempo mesmo.
Na minha última tentativa de encontrar assunto, apelo para a tv de minha mãe e o meu rádio: me vêm respectivamente uma novela baseada em obra de Paulo Coelho e a convocação da seleção brasileira de futebol pelo Dunga!

Melhor ficar por aqui antes que a coisa piore! Quem sabe na próxima, com mais sorte...

27 de mai. de 2007

Outro domingo

E desta vez, não saí sem destino por essas ruas frias...

Não foi apenas o clima que me desmotivou (apesar de estar me adaptando ao clima local, quente, eu que sempre gostei mais do frio); ando um tanto recolhido ultimamente. Nem ao meu farol neste mar de cana-de-açúcar tenho ido: a recente e insistente propaganda pró álcool como a salvação do país e do planeta(!) me indispôs com o meu destilado favorito; além disso, tenho questionado minha necessidade de entorpecimento alcoólico para conseguir inspiração. Sequer precisei dele em minhas últimas tentativas poéticas... Dos resultados, nada digo.
Veja você, caríssimo leitor: as coisas mudam, contra todas as expectativas!
De qualquer maneira, os fatos não ajudam, por aqui: a monotonia local não é favorável a quem queira passar impressões da vida em palavras; ou então, já não sou capaz de descobrir tais impressões...
O recurso da imaginação, igualmente, parece enrijecido pelo clima, (ao menos p/ mim) surpreendentemente friorento. Melhor seria nem tentar escrever.
Mas há a necessidade, a ânsia de expor alguma coisa, alguma marca que o exterior tenha deixado cá dentro, ou uma impressão do meu olhar sobre o mundo lá fora. Hoje, porém, nem isso me acorre. Fica apenas a ânsia de escrever, escrever... Acordei num dos meus dias poenianos: "num domingo agreste, enquanto eu cismava, lento e triste...”


Hehehe! "Nunca mais?"


Hoje me descubro simplesmente saudoso de você, que tem acompanhado esse diário de viagem para lugar nenhum. Gostaria de brindar à sua saúde, com um bom vinho tinto seco de mesa (para mim, o único que existe; para você, aquele de sua preferência), nessa tarde/noite fria, sem a distância que nos separa, sem esses cabos que nos unem, pelo menos uma vez. Quem sabe, um dia?



Posto que o amanhã tu desconheças,
Tua felicidade no presente trame;
Senta-te ao luar e bebe, enquanto pensas:
"Amanhã, talvez, em vão a lua me chame."
                                                    Omar Khayyam

23 de mai. de 2007

Mais versos

Chove

Desmancham-se as nuvens no alto,
A água beija a terra cá embaixo.
Abençoa a vida o céu!
E nos aborrecemos sob telhados...





Poema torpe

Peixe!
Que te quero feixe,
De vagar profundo
Pelo obscuro mundo.
O mistério da água
Não obstante traga,
De dentro de si
O que ofertar a ti.
E se pergunto: “quem és tu?”
É só para rimar com u...





Soneto do meu ofício

Escrever é um orifício
Por onde sói escorrer,
Sem que os consiga viver,
Meus sonhados artifícios...

Com tal arte produzo
Estas linhas a serem lidas
Que, tivesse eu duas vidas,
Não seria mais obtuso!

Calma! Amanhã não chega, ainda.
Lidares ’inda não tens
Com os encargos da vida;

Desfruta [o] teu ócio bem;
E, ao se apresentar a lida
Adia-a p’ra semana que vem...





Cantiga de mal dizer (a quem?)

Vampiros da faina alheia,
A nos olhar de esguelha.
      Oh, decência, e u é?

Abutres de nossa labuta,
Bando de filhos-da-puta!
      Oh, decência, e u é?

Quando nos libertaremos,
Da prisão que nos metemos?
      Oh, decência, e u é?

Ao enfim termos acordado,
Não terá noss’ora passado?
      Oh, decência, e u é?

Que haveremos de ganhar,
Em qüingentésimo penar?
      Oh, decência, e u é?

Será pura torpitude,
Tamanha falta de atitude?
      Oh, decência, e u é?

A la fé que move montanha,
Dê-se termo a essa patranha!
      Oh, decência, e u é?

Por agora e pelo futuro,
Tenha fim tanto embrulho!
      Oh, decência, e u é?





O sonâmbulo

O sonâmbulo caminhava
Pelo telhado:
.
.
.
.
.
.
.
TUM! Ai!!!
Duas pernas e um braço quebrados!





Coitus interruptus

(ao fundo, da rua, o som alto de uma chatíssima [emissora] de FM)

Chuva que cai e não molha,
Incêndio que grassa e não queima,
Saudade que bate e não dói.

...

Merda! Perdi o fio...

20 de mai. de 2007

Versos

Não busques aperfeiçoar o que sejas
Sê inteiro; isso te baste,
Como bastou ao tempo que te fez.
Busca em tuas alegrias
O bálsamo para tuas dores.
Encontra nas tristezas
O enigma mudo de existir...
Faze de ti o que sempre foste
Nem demais, nem de menos.
Dês à Vida o que ela pede:
Teu viver todo inteiro.
A marca que aqui deixares
Se consuma, feroz e doce
Como a luz que testemunha
A extinta vida de uma estrela.
Sê humilde em cada gesto,
Inda que tua luz cegue aos Poderes.
Cases o mistério originário
Com teu próprio mistério vivo.
E saberás que tua vida paga a pena
De viver, contra toda a esperança!

18 de mai. de 2007

Inventário de uma vida (até aqui)

Livros. Dos muitos que havia, os poucos que sobraram: ficções, escolares, técnicos, enciclopédias. Todos velhos.
Revistas: masculinas, de informática, música, assuntos diversos, em quadrinhos; velhas também.
Cerca de quarenta CDs: uns dez de música, o resto dados e softwares, mais três ou quatro de jogos.
Aproximadamente cem disquetes, defeituosos ou não. Uma dúzia deles de 5 ¼ polegadas.
Cinqüenta discos de vinil, metade deles dos Rolling Stones.
Retratos das sobrinhas que eu quase não vejo. As sobrinhas, não os retratos.
Canetas, lapiseira de desenho e cadernos, ora abandonados.
Papéis soltos, que insistem em se multiplicar...
Um aparelho de som modular. Tape deck queimado, toca-discos sem agulha; receiver AM/FM resistindo, (quase nenhuma rádio que valha a pena ouvir, nessas bandas).
Um vídeo cassete, quebrado.
PC Pentium II com Windows NT 4, herdado de empresa falida (provavelmente, a causa da falência).
Dois monitores de vídeo quebrados, um funcionando (emprestado).
Mesinha de computador. Duas placas-mãe, mais placas de vídeo, rede, som, fax/modem; caixas de som p/ PC, uma infinidade de cabos e parafusos, velhos HDs e CD players. Todos eles sem uso.
Uma antena de tv UHF, por instalar.
Um pequeno guarda-roupa com as devidas roupas, quase todas doadas.
Dois aparelhos de telefone (um de disco). Um ventilador.
Um gaveteiro com meus artigos de higiene pessoal e alguns presentes de amigos.
A cama e o colchão que me acompanham há quase quarenta anos.
Um quadro de gesso com cinco fotos dos meus três anos de idade; velhas fotos 3x4.
A garrafa térmica para o sagrado café.
Um pequeno gaveteiro/mesa de cabeceira e o eterno cinzeiro.



O cesto de lixo. O lixo (meu e de outros), onde vejo pedaços de vida rumando de volta ao caos...
Um mancebo com bonés e cabides pendurados.
Documentos finalmente regularizados. Um cartão de biblioteca.
Nenhum dinheiro.
Algumas bolsas de viagem e nenhum lugar para ir.
Duas lâmpadas de cabeceira.
Um jogo de xadrez, com peças faltando.
Uma caixa de ferramentas usadas.
Um baralho de tarô da O. T. O., um jogo de runas em pedras de hematita, livro de I Ching (varetas de mil-folhas por providenciar).
Um anônimo crânio humano sem dentes.
Um aparelho móvel de correção dentária (arcada superior). O da arcada inferior, aparentemente engolido.
As agulhas usadas nas minhas tatuagens. Destas, de cinco planejadas, três ainda por fazer.
Escalas, esquadros, compasso, transferidor, régua de cálculo.
Anéis, correntes, brincos. Quatro pares de óculos escuros quebrados.
Fechadura elétrica e montes de chaves. Barbeador elétrico. Escovas de dente comuns (três).
Caixas de sapatos com cartas, recortes, cartões postais e de boas festas, anotações e objetos diversos.
Dois relógios de pulso, vício abandonado há anos. Um rádio relógio, para emergências.
Uma cadeira antiga (anos 50).
Um violão. Uma guitarra e um contrabaixo elétricos desmontados; uma flauta doce e uma gaita de boca.
Vários pares de tênis, em diversos graus de uso, doados.
O pó e as teias de aranha que me acompanham para onde quer que eu me mude.



Um quarto em casa de mãe.
Lembranças. Sempre presentes, sempre fugidias.
Sonhos para sempre sonhos. Nenhum objetivo definido.
Fobias, vícios e compulsões, acumulados e descartados como guardanapos de papel com telefones anotados.
O aqui e agora amorfo e morno, porém satisfatório.
Uma lista longa demais, quem precisa disso tudo?!
“No future...”

Je ne regrette rien!

16 de mai. de 2007

Tinha tantas coisas a dizer...

... e não sei como!

14 de mai. de 2007

Querido diário

Foram dezoito (!) postagens, em pouco menos de um mês (!!); algumas mais felizes, a maioria um tanto inócua e algumas delas decididamente vergonhosas. Um período interessante: minha primeira experiência publicando..., bem, isso tudo que tenho sentido/pensado/observado. Por puro entretenimento, já que nada de melhor tinha a fazer, e esperando entreter quem me lesse também.

Agora, surge uma oportunidade de trabalho e, com ela, possibilidades de sacudir o marasmo em que me encontro, evidente no que eu escrevo. O que implica atualizar este diário menos freqüentemente; confio que a mudança seja benéfica não só para mim, como para os leitores: mudança de ares, diversidade de temas e de tratamento de temas, um pouco mais de vida neste empoeirado caderno de notas, enfim.

Uma providencial pausa para respirar.





Só espero que eles não desistam disto aqui...

12 de mai. de 2007

Caso? Ou compro uma bicicleta?



Qual é a distância entre o narcisismo e a busca de si mesmo? Entre se encantar com o som da própria voz e enfrentar o mistério do próprio âmago?
Nestes últimos dias, mais que em toda a minha vida, essa distância tem ficado clara para mim: uma tênue película de névoa. Um verdadeiro abismo, aparentemente intransponível, dividindo a jornada num antes e num depois que não se sabe quais sejam; uma meta virtualmente inalcançável, à distancia de um suspiro. O impensável desafio da vida. Meu desafio, bem diante de mim.
O que, afinal, é ser humano? Haverá um objetivo básico, fundamental a ser alcançado? Será tudo obra do puro acaso? Qual o significado desta existência, enfim?
Perguntas nada originais, não são mesmo? E respondidas já, de inúmeras formas, das mais respeitáveis e profundas às mais toscas e banais; quem saberá o que de verdade haverá em cada uma delas, visto que, isoladas ou em conjunto, não chegaram a por fecho à questão? Como responder, ainda desta vez?
E por que?
Perceba, estimado leitor que, de um salto, passo do questionamento puro e simples para o questionamento da prórpia questão. Minha intenção não é confundi-lo tornando o raciocínio ainda mais obscuro do que já é; muito simplesmente, tento transmitir em palavras o intrincado da minha dúvida...
Não quero aqui propor mais uma tentativa de resposta, nem acho que tenha competência para tanto, em vista da quantidade das já existentes; o que eu quero agora é saber, se possível, se a questão é valida. E eis que o abismo já pressentido do significado se escancara diante de mim novamente. Fará sentido questionar o sentido da existência? Torna-la-á mais plena ou simples, significativa ou fácil? Para responder a esta questão, bem como à anterior, estou igualmente capacitado. Inútil sequer tentar; já basta lutar com um labirinto de palavras e pensamentos, desnecessário juntar-lhe outro labirinto!
Sendo assim... por que, sabendo disso, essa maldita dúvida não me sai da mente?! Que tipo de idiota se entretém e tortura com problemas que ele sabe não terem solução? Tudo isso, e para que?
Então, um esboço de resposta surge, provisório e insuficiente, mas surge! Questiono porque me é possível questionar... Tenho a mentalidade inquisitiva, sou incapaz de aceitar os fatos simplesmente como eles são, esta é a verdade. Sei que, em face aos fatos, argumentos são inúteis, sei que minhas dúvidas não tiram nem acrescentam nada ao que existe, sei (ou suponho saber) de tudo isso.
Mas se eu apenas aceitar, se não levantar uma pedra no caminho apenas para saber o que há embaixo dela, se deixar de olhar para o restante da existência sem me perguntar em que ele se parece e em que difere de mim, se, enfim, renunciar ao desejo de saber quem ou o que eu sou (apesar do mórbido e talvez injustificado receio que eu tenho de saber), o que me resta? Haveria para mim uma vida que valesse a pena ser vivida? Uma vez mais eu me questiono. E, uma vez mais, duvido...

Imagino que, aproveitando o tema, você leitor esteja se perguntando:
— De que diabos este sujeito está falando? E o que tenho eu a ver com isso?
Bem... esta é uma pergunta interessante, caso esteja mesmo sendo feita... você poderá pensar que eu estou apenas embromando-o. Certamente, se estivesse tão pouco habituado a mim mesmo quanto você, meu caro, eu pensaria da mesma forma! E, sinceramente, não sei o que responder, exceto que senti a necessidade de colocar essas dúvidas aqui, na esperança de que elas me dêem pelo menos alguns dias de relativo descanso; afinal, sendo as mais antigas e sem perspectiva de solução, podem ser temporariamente afastadas, em favor de outras mais recentes e de ordem mais prática. O que leva à conclusão de que estou, sem a menor cerimônia, despejando sobre você, estimado leitor, o peso dos meus mais caros (mas não menos ociosos) questionamentos e pensamentos. O que, devo reconhecer, é um tanto descortês de minha parte.
E apesar disso...
Não é o que eu venho feito com todos os meus textos desde o início deste blog? Não sei qual razão o atrai até este espaço povoado de anotações pessoais e um tanto inúteis; não acredito que objetive conhecer meus tortuosos pensamentos e aborrecida personalidade que, de resto, não exponho com esta intenção. Na verdade não sei dizer porque faço isso, como aliás declarei no texto de estréia. E quanto a apreciar um texto (ainda que vazio) relativamente bem escrito, imagino que haja opções melhores entre autores consagrados, bem como entre os habitantes (relativamente) anônimos deste virtual universo da grande Rede...
Seja como for, aqui está você, caro leitor. E aqui estou eu, satisfeito e honrado com sua visita e com seu interesse, seja ele qual for. Saiba então, que não me escapou o fato deste escrito ter ficado um tanto abrupto e inconclusivo; ele representa meus processos de pensamento, mais que as conclusões a que tais processos possam eventualmente levar. Espero poder dar uma amostra coerente de tais conclusões em breve. Se estiver interessado, tenha um pouco de paciência. Senão..., bem, isso é com você.
Como fecho, deixo estas palavras do pensador J. D. Smith:

“O problema de se ter os dois pés firmemente apoiados no chão é que não se consegue nunca tirar as calças”.

9 de mai. de 2007

Bobagens, viagens & cia

Minha última mancada merece ser contada. Minha prima me pediu para ligar para um nº 0800 e solicitar a instalação de banda larga para a sua (dela!) casa. Levei duas semanas entre tentar fazê-lo pela Internet, sem sucesso, achar o número do telefone (N.B.: que ela já tinha me dado) e me certificar do plano escolhido.
Finalmente ligo; sou atendido rápida e gentilmente por uma moça que me explica tudo direitinho: são dois planos, um mais caro e com certas limitações, outro mais barato sem essas limitações (vocês já devem saber do que eu estou falando, mas não vou fazer propaganda aqui. Não de graça.); escolhido o plano, seguidos todos os trâmites, tudo certo. Ligo para ela comunicando que, enfim, estará em breve conectada na Rede de novo. E descubro que escolhi o plano errado... Não me conformo, e ligo de novo; novamente sou rápida e gentilmente atendido (agora um rapaz) que me explica tudo direitinho, exatamente do jeito que a moça havia feito. Agora eu entendo! E agora, é claro, o pedido já está no sistema; pode ser trocado, depois da instalação, mas ao custo dos dois planos somados; afinal, o outro era uma promoção...
Tirando a estranha lógica deste final (nada estranha ao capitalismo sanguessuga), tudo bobagem minha. E, veja bem, eu não havia bebido. Eu não estava com sono. Não havia nada de errado comigo. Nada. Talvez tenha sido este o problema.
De qualquer modo, há que se precaver contra tais casos, requisitando este tipo ajuda a alguém que pertença ao presente século; por favor, sejam corteses, mas desconfiem sempre do auxílio de um amnésico...







Fragmentos (?)


Sobre as solidões. Pois existem em plural: cada qual sabe da sua...

patinetes, férias, outono
Piratas de todo o mundo, ao saque!

Os Homens são de Marte.
Não há vida em Marte...

...Vênus, não me decepcione!

Do Orkut:
Você está conectado a 51.120.488 pessoas através de 18 amigos.
Chega a dar medo.

Vantagens do jornal impresso sobre o noticiário na Rede: não se tem de ler referências a Bento 16 (sic)...
Bem, sobre o rádio também: que tal ouvir o repórter falar diretamente da quarenta e sete (sic)D. P.?
Quadragésima sétima, XVI... Para isso curso superior?!

Uma boa hoje (08/05), acabo de ouvir: um bispo católico qualquer declarou que o ensino de educação sexual estimula a promiscuidade (sic). Como ficou demonstrado, aliás, com aqueles casos de pedofilia e pederastia protagonizados por padres católicos, já há algum tempo... Isso sem contar o que ocorre nos seminários.
Haja paciência!

“É uma grande maravilha e um artifício estranho:
Fazer de um dragão, a medicina suprema”.
Trecho do texto da Sexta Figura, Tratado da Pedra Filosofal, de Lambsprinck.






Abalos

Durante um (felizmente) breve período de crise existencial do meu amigo Johnny, dono do blog Legenda Urbana (está aí do lado direito, não deixe de visitar!), mandei-lhe uma mensagem estimulando-o (= cobrando) atualização. Ao que me respondeu que o faria, pois fatos a nos indignar estão sempre acontecendo. Quase lhe respondi que também havia fatos agradáveis que mereceriam sua atenção (o que ele já fez, aliás). Contive-me. Não sou a pessoa mais indicada para dar este tipo de conselho. Nenhum dos meus textos tem esta característica, ainda que um ou outro possa não ser produto ou produtor de emoções negativas. Estar na contramão do mundo, ser gauche na vida (com sua licença, Drummond) é o estado no qual estou mais à vontade. Tanto que, quando ensaio uma mudança de postura, meu crônico desequilíbrio psico-bioquímico, normalmente já bastante desagradável de se conviver, me joga de lá para cá, da euforia à depressão; daí os episódios beirando a demência, como o descrito no início. Passado o pior do tsunami, torno ao abrigo de minhas lucubrações* ociosas. Sou uma alma cíclica: minha sina é sempre voltar. E devorar minha cauda.
Bon appétit!

* 1. Trabalho prolongado e paciente (!) feito à noite e à luz.
   2. P. ext. Meditação grave (!!); cogitação profunda (!!!).
Fonte: Dicionário Aurélio – Século XXI







Inventário de idéias perdidas

Textos: sobre como o fato de se saber lido afeta o escritor, e atropelando essa idéia, o porque de se perderem as idéias. 
(com a conseqüente perda de ambas)

A foto que eu não tirei de uma fileira de pombos pousados sobre uma cerca, em primeiro plano, tendo ao fundo uma fileira de moradores de rua, sentados embaixo de um viaduto, em Santa Cecília, bairro de SP. A perspectiva juntava os grupos. Pombos e homens igualados, na imagem e na vida. Deprimente.

A cena de filme que eu não capturei na Liberdade, o bairro oriental de SP: duas mães, (orientais, claro), cada uma segurando um filho de no máximo dois anos pela mão se cruzam na calçada; os pequenos param, olhando um para o outro, forçando as mães a pararem também; sorrindo, elas soltam as mãos das crianças, que vão uma na direção da outra e se abraçam em silêncio; meu queixo cai.



Pobre onanista de idéias...



Crianças das sombras


À noite, os gatos são pardos.
À noite a lua reina.
À noite, nossos pecados são claros.
À noite o dia espreita.

Conosco a noite se deita...

7 de mai. de 2007

:

Não bastasse a ladainha monocórdica, agora a absoluta falta de imaginação assola este blog! Artifícios grosseiros e de humor no mínimo duvidoso não enganam ninguém que tenha um módico de bom senso e espírito crítico. E que não se engane o leitor em achar que isto faz parte de um estratégia maquiavélica para capturar seu interesse através de uma autocrítica mordaz. O caso é de pura inanição mental! O que, diga-se, após o ataque de diarréia de pena de escritor das últimas poucas semanas, é até compreensível. O que não se compreende é a insistência em postar tiradas tão pouco criativas como essa radiofônica. O que não faz o álccol... Quanto às anteriores, deixo o julgamento ao público.

Assim, este autor se obriga a passar pelo menos três dias longe deste blog (e quem sabe mais perto de sua combalida criatividade), como punição para ele e alívio de quem lê. E que a lição seja aprendida.

Com minhas sinceras desculpas.

6 de mai. de 2007

Fim de semana

Quem diria?!
Um belo fim de semana no fim de mundo!

Conversas (parentes, amigos, conhecidos); álcool (pendurado [na indecente conta], de grátis...); divergências (lavação de roupa suja com mãe, ou seja, perda de tempo de ambas as partes), internet...
Enfim, dois dias interessantes. Estoicamente falando.*



*Estoicismo
 3. Impassibilidade em face da dor ou do infortúnio.
Fonte: Dicionário Aurélio - sec. XXI





(ah)E agora, (ah)um apelo:

(Ah)nunciem neste (ah)blog, (ah)pelo amor de Deus!**





**
Rádio Camanducaia - Show de Rádio© [Estevan Bourroul] Sangirardi (in memoriam)

Agnosticismo, cristianismo e Nietzsche

O Cristianismo repousa em dogmas e crenças que permitem à consciência fraca e escrava escapar à vida, à dor e à luta. Impõe a resignação e a renúncia como virtudes. São os escravos e vencidos da vida que inventaram o além para compensar a miséria. Falsos valores para se consolar da impossibilidade de participação nos valores dos senhores e dos fortes. Forjaram o mito da salvação da alma porque não possuíam o corpo; criaram a ficção do pecado porque não podiam participar das alegrias terrestres e da plena satisfação dos instintos da vida. Vontade de aniquilamento, hostilidade à vida, recusa em se admitir as condições fundamentais da própria vida: eis o que é o Cristianismo...

Esta é, sem dúvida, uma análise brilhantemente penetrante da psicologia da religião cristã. Mas deve ser reconhecido que ela se aplica ao cristianismo estabelecido: em sua origem, essa religião foi criada, se impôs e foi imposta a ferro e fogo a um meio cultural que entendia os poderes superiores como múltiplos. A visão da época era a de um culto à vida natural, material e orgânica, como vista nas matas, nas águas, nos ares; estes eram os reinos dos deuses, cada qual presidindo um aspecto particular da existência, num processo cíclico, sem fim e não sujeito a modificações em sua estrutura básica. A luta pela sobrevivência se confundia com a luta contra as forças da natureza, e o engenho humano logrou desenvolver meios de atrair e até mesmo constranger tais poderes à benevolência ou de evitar seu desagrado e violência.
A visão cristã é radicalmente diferente. Postula a queda de um estado idílico ideal, para o qual a humanidade foi destinada originalmente por um criador único, onipotente, que mantém com esta uma relação de senhor para com seus escravos, concedendo-lhes por via da graça o que eles não podem fazer por si próprios. Ainda que, com o passar do tempo, a maioria das pessoas acabasse aceitando tais postulados, o faziam em diversos graus de má vontade, pois ninguém pode acreditar que se aceite uma vida eivada de culpa e pesar de bom grado. O ressentimento deve ser visto como subproduto da relação servil; o desgosto do escravo por sua condição de inferioridade não é invenção cristã, assim como não o é a escravidão em si.
A reação aos valores cristãos se deu inicialmente pela inversão desses valores no culto satânico. Enquanto a visão aprovada fazia desta vida fonte de miséria e sofrimento para uma maioria desvalida e tolerava opulência de uns poucos, entre eles o próprio alto clero, o satanismo se ergueu da nostalgia da antiga religião natural, e a ela adicionou a revolta contra a miséria e o ódio por todos os seus emblemas. O anticristianismo, assim considerado, não passa de um cristianismo ao avesso.
Já a postura agnóstica tem outra fonte. Origina-se da visão científica do mundo, que ganhou relevo justamente com o declínio da crença religiosa como imagem e modelo do mundo, durante o Iluminismo. A recusa do argumento de autoridade da revelação religiosa marcou uma busca pelo conhecimento contra a crença; levou a dúvida quanto à própria existência dos poderes divinos. Mas agnosticismo não deve ser confundido com ateísmo: a agnose não tem juízo formado quanto à realidade transcendente; ela busca formar uma imagem do mundo dentro dos limites do sensível e do conhecível. Estando o transcendental além de sua capacidade atual de investigação, ela suspende o julgamento, no aguardo de novos e melhores métodos de pesquisa, bem como conceitos mais abrangentes e eficazes a respeito do universo ao seu alcance.


Escrito em 01/05/07
[editado 07/05/07]
Mais um erro crasso! Além da maneira brusca e inexplicada com que este ensaio supostamente filosófico veio parar em meio desses devaneios (não tinha onde colocá-lo), não esclareci que o tema e a citação de Friedrich Wilhelm Nietzsche vieram de um tópico de discussão na comundade do Orkut Agnóstico Vagabundo sobre o blog do mesmo nome, que é altamente recomendável, diga-se. Desculpem-me mais essa falha (em especial o Lanark).
Parece que a senilidade precoce vem se juntar à amnésia. Tempos difíceis à vista...


5 de mai. de 2007

Jornal do exílio, ou
Diário de um náufrago

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3 de mai. de 2007

Um conto diabólico

Andava eu pelas ruas vazias, pensando tristemente no que o dono do boteco que freqüento costuma dizer daqui: “Nesta cidade, nem cachorro anda na rua!”, quando ouvi alguém chamando:
— Psiu!
Podia jurar que a rua estava deserta; porém, de rabo de olho, quase fora do alcance da visão, percebi um garoto de uns oito anos, mais ou menos. Como não estava disposto a aturar gracinha de moleque folgado, continuei meu caminho.
— Ô! Não se faz de surdo, não! Tô falando com você!
Voltei-me, irritado com a insistência, e devo dizer, bem espantado; havia algo naquela voz que não se espera ouvir vindo de uma criança.
— É comigo, moleque?
— Tá vendo mais alguém na rua? — disse, como se estivesse falando com um idiota.
Minha irritação cresceu.
— O que é que queres?
— Vim olhar você de perto. — A resposta me surpreendeu. Será que o moleque era doido?
— Doido é seu pai!
Agora eu estava parado ali, olhando em cheio pra ele, boquiaberto. Eu havia pensado aquilo! Como é que ele podia saber?!
— Que diabos está acontecendo aqui? Quem és tu?
— Acabou de dizer! — foi a resposta. — Eu sou o Diabo; não tinha o que fazer lá embaixo e vim dar uma olhada em você.
— Ah! Vá te foder, ô menino maluquinho!
Sei lá porque eu disse isso; vá lá que a situação era absurda, mas nada justifica rasgar o verbo por tão pouco.
— Te mandes, moleque! Vá pra casa, encher tua mãe!
— He, he, he!
Não sei porque, mas aquela risada foi pior que quando ele me chamou: vai ver, foi o jeito dela deixar o dia mais escuro, apesar do sol a pino. Mas, e o cheiro? Não entrava pelas narinas, nem pelos ouvidos ou pela boca, mas tomava conta da cabeça e do corpo, como se tivesse mergulhado numa piscina de sebo derretido junto com enxofre.
— Boca suja, hein? Depois falam de mim! Eu não ensinei isso pra ninguém...
— Ah, tá! Vais continuar com essa conversa besta, ô trombadinha?
— Ah, os homens! Sempre as mesmas bestas! Têm que ver pra crer... Pega um cigarro, então.
Se ele achou que ia me pegar de novo com esse negócio de adivinhação, caiu do cavalo! Grande coisa, com estes meus dedos amarelados, descobrir que eu fumo...
Ainda assim, a idéia já tinha mesmo me passado pela cabeça; peguei o cigarro.
— Fuma.
— Sem acender é, gênio? — E, só de farra, pus o cigarro apagado na boca.
Então ele fez aquilo! Só olhou para o cigarro, aquele olhar amarelo, e de repente era como se o sol não fosse mais porra nenhuma! O que eu senti ali, na minha cara, não era calor, não era fogo, não calor e fogo comuns. Comia tudo, pele, carne, osso; chegava a queimar até esperança. Mas o pior é que não doía. Não, a dor não é nada, passa; aquilo não. Eu nunca tinha entendido o significado da palavra desespero até ele evaporar aquele cigarro na minha boca e crestar a minha alma sem me deixar uma marca no corpo. Nem o negro gelado daqueles olhos sem fundo me apavoraram tanto. Bom, quase não.
E o filho da puta nem ria!
— E aí? Tá bom ou quer mais prova?
Desgraçado!
— Tá, eu acredito! — Confesso que levei bem uns dez minutos pra responder. Nisso pensei: Cadê todo mundo? Vá lá que o lugar é parado feito os postes de rua, mas naquela hora, com aquilo na minha frente, parecia que até o ar tinha sumido pro fundo da terra. Olhei em volta e não reconheci nada; era o mesmo lugar, mas ao mesmo tempo não era. Como é que tudo podia estar exatamente igual e completamente diferente na mesma olhada? Até hoje, eu não sei.
— O que queres comigo?
— Além de besta cê é surdo, é? Já falei. Vim ver você de perto.
— Por que? Vais levar-me contigo?
— Levar você? Pra que? Tá apaixonado é? — foi a resposta, surpreendente e zombeteira. O canalhinha era mesmo irritante!
— Apaixonado o cacete! Quero saber é o que queres!
— Qual é a sua, hein? Já falei três vezes: tô olhando você de perto, porra! Entendeu agora?
— Mas por que? Por que eu?
— E por que não?
Diabo ou não, essa conversa já estava me dando nos nervos! O puto estava me fazendo de palhaço!
— Eu não! Isso é obra sua!
— Chega, caralho! Ou paras com isso ou eu te arrebento! Vieste aqui só pra me atazanares, é?! Por que não vais matar o papa, tentares padre ou botares fogo em igreja, e paras de me encher o saco?
— Papa? Padre? Igreja? O que eu tenho a ver com isso?
Empaquei. Eu nem achava que o diabo perdesse tempo com essas besteiras; pra mim, era que nem aquela revista Vertigo, o negócio do capeta era ficar de papo pro ar, olhando pôr-do-sol que Deus manda, pensando se valeu a pena...
— Ainda não sei.
Agora eu não sabia o que pensar.
— Olhe, eu não...
— Deixa pra lá. Problema meu. E depois, faz muito tempo...
E o vazio absoluto que eu senti naquela resposta foi ainda pior que tudo que ele me fez sentir antes.
— Nós vamos pra algum lugar? — tive que perguntar, só pra quebrar o gelo que ameaçava engolir o mundo.
— Tem algum lugar pra se ir nesse lugarzinho morto? — Quase senti simpatia naquela pergunta. Quase.
— Que eu vou, só o boteco onde eu tomo umas...
— É, eu sei. Mas lá o velho não vai servir cerveja pra menor, né?
— De jeito nenhum! Mas tu podes ficar grande, não podes?
— Você não sabe quanto! Mas não vim aqui pra fazer truque de circo.
— Se quiseres refrigerante...
— Não, obrigado. — senti o fastio na voz dele. E eu que me achava entediado! Putz!
— Bom, acho que já vou andando... — disse ele, olhando em volta — É muito chato aqui.
— Mas, e lá embaixo? — perguntei meio sem querer, por “educação”.
— Ah! Dá-se um jeito. Pelo menos, é bem mais interessante!
— Estás falando sério?
Ele piscou pra mim.
— Ah, se você soubesse...
E antes que eu pudesse dizer alguma coisa, ele se virou e saiu correndo. Não virou em nenhuma esquina, não saiu do meu campo de visão. Não me lembro como foi que ele sumiu. Nem como, de repente, o mundo todo era o mesmo mundo de sempre. E nem um cachorro andava na rua.

1 de mai. de 2007

Sete vidas eu tivesse...


Hoje, no bar que é o farol dos meus dias vazios nesta cidade vazia, estava admirando o andar da gata que o seu (nominalmente) dono acompanhava até o terreno de uma casa em construção, rotina diária; disse então para mim mesmo: “que animal magnífico!”.
Para meu espanto, como se tivesse me ouvido (ou captado meus pensamentos) ela voltou-se imediatamente e me olhou direto nos olhos, como se dissesse: - “Nunca viste?!” Mais que depressa, desviei o olhar e confesso, tão constrangido como se tivesse sido flagrado por uma mulher a quem admirasse em segredo...
Voltava para casa, ao cair da noite, não muito tempo depois deste episódio; vi então um gato numa esquina, olhando para uma estrela. Não qualquer estrela: ele mirava Sírius, da constelação do Cão Maior, a estrela mais brilhante dos céus. Quando se vê um animal olhar para as estrelas? E mais, para uma determinada estrela? Eu vi. Hoje. E logo em seguida, vi uma jovem mãe e sua filha por volta dos dez anos libertarem um gato [siamês] que tentavam levar consigo; provavelmente encontraram-no na rua, apesar de ele ser um belo e bem cuidado [angorá], e não um gato vadio. Ele não quis ir, não nesta noite. Nesta mesma noite. Eu vi.
Referi-me aos gatos como animais, mais certo seria chamá-los de entidades. Pois não são criaturas comuns como os cães, papagaios e outros mimos domésticos. Gatos têm uma alma secreta, indevassável, que poucos sabem realmente apreciar. Eles não são possessão de ninguém; quem se diz dono de um gato não passa de um iludido: os gatos nos dão o favor de sua companhia, quando lhes agrada. Nada mais nem menos que isso. São seres filosóficos, introspectivos; seus sentidos parecem perceber uma realidade mais ampla que a permitida aos nossos. Como pareceríamos, do ponto de vista de um gato, com nossas toscas tentativas de agradá-los ou evitá-los, com nossas superstições e fobias a seu respeito? O que ele nos diria posto que se dignasse a reparar nessas nossas excentricidades? Seria condescendente como de costume, suportando nossas investidas e recuos caninamente infantis? Ou reverteria, enfastiado, à nobre selvageria jamais renunciada de todo?
Amiúde reflito sobre esses entes, que amo com a mesma reserva por eles demonstrada em sua convivência conosco. Meu próprio relacionamento é incidental, pois nunca cuidei de animais de estimação; o que não me impediu de ter “hóspedes” temporários entre os reis dos telhados e soberanos das madrugadas. Aprecio sobremaneira sua elegância, sua independência e sua lassidão deliberada; chego a desejar ser um deles, pouco afeito que sou à faina canina dos trabalhos e lazeres humanos; não à toa, nossa espécie tem como seu companheiro predileto o agitado e patético cão. Já os gatos são os eleitos de uma parcela da humanidade que enxerga neles, ainda que inconscientemente, a qualidade enigmática, propriamente cósmica, do mistério. Criaturas admiráveis, inconquistáveis, irrepreensíveis.
Hoje eu testemunhei um gato ler e reagir inteligentemente aos meus pensamentos, surpreendi outro a admirar absorto a mais brilhante das estrelas do céu e assisti à luta vitoriosa de um último por sua liberdade, não de ficar onde estivesse, mas de partir quando lhe aprouvesse. Hoje. Eu vi!


Coda (4/5)

Lendo o comentário deixado pela Vera, me dei conta de ter cometido uma injustiça, que desejo corrigir.
Marginalmente, referi-me a outros animais com um desdém que em nada favorece a causa felina (se é que existe tal causa), sem falar dos amantes desses animais, que estariam plenamente justificados em censurar-me, pelo modo grosseiro como foram tratados no texto. Queiram por favor perdoar-me.
Procurarei ser mais cauteloso ao expressar minhas opiniões, doravante.

* Erro crasso! O siamês contemplava a estrela, o angorá lutava pela liberdade. Realizei uma transformação digna de Maga Patalójika, numa única frase! Novamente, agradeço à Vera por apontá-lo!