22 de jul. de 2007

Um toque de classe

Ironia do destino: eu, que desde a adolescência detesto novela (antes era apenas uma criança, café com leite, não vale), devo à mais tradicional delas a recuperação de um episódio marcante da minha infância: o dia em que provei caviar!

A cena que motivou esse lampejo do passado é a típica “a classe baixa vai ao paraíso e volta xingando”: a personagem, ex-prostituta tentando aprender a ser chique, prova o quitute da mesma forma e com o mesmo prazer que teria comendo uma porção de areia. Nesse momento eu voltava da cozinha, onde fora acender o cigarro; vendo aquilo, fiz um comentário qualquer sobre a cara de nojo da atriz, então minha mãe dispara:
— “Nunca mais me esqueço da cara que vocês (eu e meus dois irmãos) fizeram quando experimentaram!”
Quase caí sentado no chão! E eu que pensava nunca ter chegado nem perto dessa lenda do consumo! Diante do meu evidente espanto, ela me conta que foi no casamento de um primo com a filha do mais importante advogado de certo estado nordestino (detalhes felizmente esquecidos), gente grã-fina de berço: a cerimônia foi no Morumbi, reduto do baronato paulistano, e durante a comemoração do enlace no soberbo salão de festas de um clube do mesmo bairro, fomos apresentados à famosa “iguaria”.

Imagine-se moleques filhos de proletários, de seus 10 ou 12 anos, segurando uma torradinha do tamanho de uma moeda de um real suja com uma gosma cuja cor o decoro impede de nomear... Assistindo de camarote, minha tia Helena comenta com minha mãe:
— “O que será que eles estão pensando?”
Boa coisa não podia ser, a julgar pelo comentário que deu início a esta narrativa... De qualquer forma, tivemos o bom senso de apenas experimentar aquele troço com a ponta da língua e nada mais, o que motivou outro comentário divertido de minha tia:
— “Olha a cara deles! Vamos ver que solução vão encontrar para a situação!”
Ora, o que se faz quando algo que nos dão para comer é considerado intragável, e se está num ambiente estranho, cercado por adultos mais estranhos ainda (porque convenhamos, comer aquilo...)?
Sutilmente como só crianças sabem fazer, escondemos o caviar atrás das costas voltadas para a parede, e disfarçadamente nos aproximamos de uns grandes vasos com palmeiras ornamentais que havia por ali.
Minha mãe diz que aquelas plantas nunca comeram tanto caviar em suas vidas...

Mas é claro que isso só pode ser especulação dela.

4 contrapontos:

vera maya disse...

Ahhnnnn...sei, pra quem nao assiste a novelas..
Uma prost sendo treinada..rsrsr.., entaum tá!!!

Gostei...engraçado,bem escrito, me surpreende,leve, sem sombras....

Interessante essa face sua...

vera maya disse...

Ahhhh..Muito dó das plantinhas, tadinhas!!!
Bjuam

000000 disse...

Hahaha... A novela parece estar mesmo em todos os lares. Pelo menos trouxe à tona um episódio seu bem engraçado, que deu um belo conto.

Novela aqui em casa é um mal irremediável, já que a janta é no mesmo horário e o poder do controle remoto não é partilhado democraticamente. Mas geralmente fico viajando enquanto rumino a comida.

Aham, desculpe-me, estou divagando... Onde eu estava mesmo? Ah sim, o conto.

Achei hilário a descrição do caviar: uma gosma cuja cor o decoro impede de nomear...

E concordo com a Vera, as plantas não mereceram tão horrendo adubo.

Ou seria mesmo uma sentença? Hmmm...

ex-amnésico disse...

Obrigado pelas palavras, espero que tenham gostado tanto de ler essa história quanto eu gostei de escrevê-la. Afinal, nem só de sombras vive um autor... obscuro(?!)

Interessante, a questão que vocês levantaram havia me escapado; mas acredito que aquelas plantas devessem estar acostumadas a aditivos estapafúrdios do gênero...

Uma observação pessoal: como todo mecanismo autoritário, o controle remoto apenas joga com a ilusão de liberdade...

Quanto ao folhetim, fui orientado pelo meu advogado a falar sobre esse assunto apenas em juízo.

Carpe diem.