14 de jun. de 2007

Evangelho segundo um Amnésico

Tomo Primeiro: Das Origens


I-Em princípio, não era.

II-Não se sabe como o Não Ser veio a Ser, ou se as coisas ocorreram dessa forma; mas, como a Humanidade Legítima é movida por uma curiosidade tão insaciável quanto frequentemente inútil, alguns indivíduos inferiram de certas experiências fora de seu modo cotidiano de avaliar a existência, os conceitos de Início e de Finalidade, neles baseando uma busca pelo conhecimento dessa existência que perdura ainda hoje.

III-Sabeis agora que há uma Humanidade Legítima, com todos os seus nem sempre agradáveis atributos, e certas Entidades Disfarçadas que, por motivos ainda por explicar, caminham entre os Legítimos, e a partir de certa época obscura vêm se multiplicando em número muito superior ao desses Legítimos, trazendo uma confusão ainda maior que aquela a que tais Legítimos são já naturalmente propensos.

IV-Os Pioneiros entre os Explicadores criaram uma ferramenta chamada Nome, cuja função era tornar manipulável o Ser a sua volta e em si mesmos, e que teve o inesperado efeito de mascarar esse mesmo Ser, de tal sorte que os erros e mentiras mais crassos e as descobertas e invenções mais sublimes vieram a ocorrer com o passar do tempo, em decorrência de seu uso.

V-Com a crença na Divindade e sua responsabilidade numa suposta Criação De Tudo Que Existe, Nós (os Legítimos e os Disfarçados tomados como um todo) passamos a criar Leis, para abrandar Nossa incapacidade de viver com as consequências de Nossas próprias ações. Sendo Nós como Somos, in continenti tempore* criamos as Trangressões de tais Leis, e os consequentes Castigos a elas relacionados.

VI-Como consequência desse modo complexo de agir surgiu a crença numa batalha entre o Ser Exterior e Interior de Nós mesmos, e aquilo que observamos e tomamos como sendo a totalidade destes mesmos Exterior e Interior; em outros termos, criamos a Suprema Confusão entre aquilo que somos momentaneamente capazes de observar e aquilo que efetivamente sabemos.

VII-O que Nós momentaneamente somos capazes de observar é óbvio em si; o que efetivamente sabemos do que existe ou deixa de existir é expresso numa única Palavra:

VIII-Nada.

IX-Por conseguinte, vivemos à procura de uma Salvação, ainda que não saibamos de que devamos ser salvos ou para que, e que não estejamos de modo algum dispostos a pagar qualquer preço que seja por um tal benefício; profundamente, por menos que admitamos, temos sérias dúvidas a respeito dessa anelada benesse. Tanto isso é verdade que criamos e recriamo-la de acordo com Nosso humor momentâneo. Quiseramos ter certeza de alguma coisa nessa vida e lutamos por alcançá-la, ou defendemo-la como se já a possuíssemos; seja com for, Nossos supostos Salvadores tornam-se oferendas nos Autos Sacrificatórios que erguemos àquilo que não sabemos.

X-Industriosamente, Nós criamos habitações e conflitos, enxergamos belezas e ilusões, prestamos culto às Nossas vaidades e espalhamos inocentes Glórias sobre o planeta. Em suma, vivemos na plenitude de Nossa ignorância e na insuficiência de Nossa Razão.

XI-Ao fim e ao cabo, fazemos somente aquilo que queremos fazer; ao resto damos o Nome de Sofrimento. Este tem um papel secundário em Nossa existência que, no entanto, deve ser enfatizado, visto que tantos entre Nós julgam-no de soberana importância.

Finda o primeiro capítulo.



Latim tardio: Sem demora; sem intervalo; sem interrupção; sem detença; imediatamente.

Fonte: Dicionário Aurélio Século XXI.

2 contrapontos:

vera maya disse...

Amnésico, querido!!!

Você continua escrevendo muito bem..

e essa cabecinha pensante, cada dia mais louca...! rsrsrsr

Beijaum

ex-amnésico disse...

Acha mesmo? Hmmmmmm... Será que devo tomar alguma providência?

Até já tentei yoga, mas meus joelhos estalam feito doidos naquela postura de lótus, OMMMMMMM!

Hahahahaha!

Beijão!