15 de set. de 2007

Hypnophagia

"'Eu sei que aqueles que comem o sono se transformam em terra...' Ao ouvi-lo falar assim fiquei arrasado. Eu comia o meu sono e estava completamente arrasado. Não é preciso explicar. Eu comia o meu sono e sentia que pouco a pouco..."

("O Tamanduá", Miguel Angel Astúrias)


Doença ou dom de loucos, no bom e no mau sentido; se os antigos gregos consideravam a epilepsia como provocada pelo toque de um deus, a insônia seria a brincadeira aleatória do demônio, cujo passatempo predileto é atiçar a consciência, essa última e mais catastrófica maldição da existência humana.

Por que o reino das escuras águas primordiais barra-me a passagem quando me deito, apenas para fingir me admitir quando preciso ficar em pé? Será que por eu viver desafiando a barreira entre o sonho e a vigília, desde criança e então sempre, estou condenado a este jogo de gato e rato que se instalou em minha vida para ficar?

O torpor de poucas horas em que caio a cada amanhecer parece apenas complicar minha percepção da realidade, que brinca de esconde-esconde comigo, arrastando-me para o reino do Delírio e tornando cada passo dado um perigo concreto, desmanchando a solidez da vida num carnaval de gárgulas zombeteiras a me provocar com gestos ridículos e obscenos e a gritar meu nome no ouvido esquerdo, sempre no esquerdo, assim que o silêncio me envolve; a cobrir de dúvidas as certezas mais firmes, a transformar em certezas as dúvidas mais nebulosas...

Será essa insinuação de outras realidades emboscadas por trás da realidade desperta real? Será esse outro sentido que sussurra por trás do conhecido um sinal de verdades que a visão clara não capta, que ouvidos livres deste zumbido sub-reptício não apreendem? Terá mesmo a vida, o mundo, tudo, tantas faces assim?

Eu não sonho mais com o labirinto; apenas uma vez vez visitei o inferno de paredes e chão feito de carnes, ossos e vísceras vivas, sensíveis; nunca mais tomei aquele elevador que se move por todos os sentidos firmemente preso em ferragens de uma geometria absurda, nem visitei o corredor cheio de portas, cujos imensos espaços internos não condiziam com a proximidades de suas entradas; não mais caí de balaustradas de prédios ilimitadamente altos, nem voei por ruas impossíveis à noite...

Sou um sonâmbulo a caminhar num mundo real ou estarei desperto no mundo onírico de alguma outra vida adormecida?
Será esse estado intermediário resultado da falta de sono ou de algum outro de meus maus hábitos?
Estarei caminhando pela fronteira do mundo espiritual ou me escondendo do inelutável?
Afinal de contas, existirei de fato ou estou a sonhar acordado que sou?

Estou com sono. Assopro o sol e vou dormir, enquanto a lua não vem...



Inspirado no texto Insones, do Lanark (aí a direita, na Maça Podre, experimentem).

"O verme passeia, na lua cheia..."

8 contrapontos:

Bárbara Lemos disse...

A insônia costuma me dar boas crises de inspiração. Pelo visto não é só comigo, ainda bem. Risos.

Beijo meu, moço.
Boas noites de vigília.

R. S. Diniz disse...

O horário do teu post diz que ele foi publicaod às 14:30, mas creio que esse texto, pelo nível dele foi escrito de madrugada...

Muito bom!

ex-amnésico disse...

Eu diria que ele foi "gestado" de madrugada: consagro minhas noites a ficar à deriva na internet, ler e/ou dar rédea solta aos pensamentos ociosos a que me refiro na apresentação deste bloco de notas. Desde o ínicio escrevo de manhã, entre 9 e 11 horas, quando a minha mente e meu corpo ainda não entraram em sintonia; pode-se dizer que meus textos resultam de um desarranjo psico-fisiológico (ressaca também serve). Já não me considero tão feliz ao comentar outros textos, já que isso sim eu faço à noite...

De qualquer forma, agradeço a gentileza de suas palavras, no meu caso a parte boa de escrever é saber que o zumbido deste enxame furioso que libero do cérebro agrada a alguém!

Cordiais saudações a vocês.

Anônimo disse...

Olá!!!
Adorei o texto!!
Principalmente pq ultimamente tenho trocado muito o dia pela noite. Tem noites que a viagem é boa, mas em outras eu preferia ter conseguido dormir...hhehehehe

Obs: Acho que os maus hábitos tbm colaboram "um pouquinho"....kkkk

Regiane

vera maya disse...

Bem, nao tenho insônia, felizmente...
Felizmente, pque conheço, já tive episódios de insônia e gosto nada.., embora uma noite insone mude a percepçao, te coloque mais sensivel pra coisas que passam despercebidas depois de uma noite bem dormida...

Ahh...descobri que dormir muito e fora de hora, também provoca alguma confusão..rsrsr

Gostei do texto e entendo esse sonambulismo em tempo integral..

Beijos

Fernanda Passos disse...

A insônia....olha só a hora em que comento no teu blog. Ela é companheira fiel nas enfileiradas madrugadas iluminadas pela inspiração que só se faz presente, em mim, nesse horário. Mas de uma coisa pode estar certo, você existe e escreve muito bem.
Texto excelente. Recheado por questionamentos existenciais e filosóficos.
"Eu eu existo?, Em que realidade estou mesmo?", e por aí vai.
Saudações ao Talento.

FOXX disse...

ontem eu deitei-me na cama
e olhei o relogio
11:30...
qndo olhei de novo
eram 4:30
quando o sol brilho, o sono chegou,
q bom q trabalho a tarde...


vi agora q vc me adicionou
eu tb fiz o mesmo

Jota disse...

Meu chapa,

Você tem a propriedade de manusear o etéreo, espremer sumo do impalpável, com uma propriedade difícil de se encontrar.

Li esse teu texto porque está escrito. Se fosse líquido, injetaria na veia.

Mas aí, cairia em delírios convulsivos e não poderia aplaudir... aplaudir... aplaudir.