27 de abr. de 2007
Aegroto dum anima est, spes est*
A oitava postagem! A temida barreira das sete foi ultrapassada! Júbilo!!
Explico: tenho, não digo receio, mas uma certa prevenção quanto a números, dependendo das circunstâncias (em outras palavras, sou supersticioso). Nas atuais – leia-se, a exibição pública através deste blog – calhou de o sete representar, desde o início, o desafio a ser vencido. Cada número encerra seus mistérios, mas nenhum outro como este, mágico por excelência, consideradas bastantes tradições esotéricas; e por mais que procure aplicar a fria racionalidade aos fatos da vida, não posso deixar de sentir o frêmito primitivo frente às potências da Natureza, ainda que vistas sob a lente do engenho humano na Matemática.
Criatura contraditória, dividida entre a lógica e o devaneio, entre o severo rigor auto imposto à vista dos fatos, e a indomável fantasia que irrompe dentre estes mesmos fatos; personalidade desbalanceada, cuja luta pelo equilíbrio é rara e momentaneamente recompensada, apenas para, como Ulisses na Odisséia, ver-se atirada ainda mais distante do objetivo anelado. O meu quinhão na epopéia humana, enfim...
E aqui estamos, um suposto escritor e um improvável leitor, figurativamente frente a frente. Sem tema a desenvolver, como de praxe: idéias são artigos maleáveis, o bastante para serem reciclados. Por esta razão, as temos em tamanha profusão.
Intermezzo
Bem mais tarde. E a suposta profusão de idéias sofre solução de continuidade... O fato de eu teimar em acompanhar pelo rádio uma partida de futebol não ajuda. Mas que posso fazer, não consigo, por mais que tente, me livrar dessa maldita doença cardíaca dos meus tenros tempos de infância...
Deixo o teclado e procuro meu refúgio destes momentos estéreis: meus amados (poucos) livros. Por estranho que pareça, consigo ler e ouvir a transmissão ao mesmo tempo, sem grandes prejuízos. Apenas fico em dúvida entre Poe, Borges e Lovecraft; este último ganha minha preferência (devo não pouco a este retraído amante da Nova Inglaterra, dos gatos e da fantasia cósmica).
Escolhi bem: o Corinthians me ameaça com mais uma derrota; o livro ganha relevo na minha atenção...
Uma cor cai do céu; horrores chafurdam em decrépitos prédios de tijolos; sonhos levam além da loucura. Sinto uma lufada de ar frio: esqueci o ventilador ligado... Sem motivo algum, tenho medo de ser internado no Asilo Arkham! Iä! Shub-Niggurath!
O Bode Negro da Floresta, de Mil Filhos!
Penso nos parcos fragmentos que exorcizei, há poucos dias: tenho uma coleção deles, de outros autores; projeto usá-los como inspiração para obras algo mais ambiciosas que a charla atual; de qualquer forma, sinto a necessidade. Bem pouco alvissareira parece esta como que reestréia. Penso na fonte de inspiração de Lovecraft, e imagino que minha produção de endorfinas, condicionada pelo álcool, esteja em declínio. Considero outras fontes: Aldous Huxley, Alan Moore, Clark Ashton Smith, Aleister Crowley - LSD, haxixe, heroína...
Melhor continuar com o álcool. Audácia não é o meu forte. Deixe-se a contravenção aos ousados.
Oh, se tu soubesses...
De noite, todos os gatos são pardos. Pardo eu sou, nem claro nem escuro, incerto, vago. Não reclamo, porém: espaço existe para tudo nesse mundo. Até para mim, pobre fracassado.
*Enquanto o doente respira há esperança.
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No cabide: outono
26 de abr. de 2007
Se7e
22 47 16 41 10 35 4
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No cabide: símbolos
25 de abr. de 2007
Um exorcismo
De noite tento
E é inútil. Não há objetivo.
Traduzo minha vida
Em versos inversos versos em
Vida minha traduzo
Tão pelo contrário quanto
Não se pode ser!
Mergulho, mas em mim
Não há movimento
Não vou ao fundo do abismo
Mas o fundo vem à altura
Dos meus olhos.
Minha mão busca a xícara
Mas é a porcelana que
Me envolve e agarra.
É nessa incerteza do que é fatal
Que me escondo do mundo.
Nos lábios daquela que eu
Nunca mais verei
Vive a força, o alimento,
A vida dos meus dias.
E uma vez houve,
Que será sempre, eterna vez
De não chegar nunca.
Fora de todo tempo,
Em lugar nenhum...
“A função das minhas contradições é manter a unidade da personalidade e sua coerência nas respostas que dá à vida.
É por isso que não me importa de ser chamado de idiota”.
“O que são nossos erros senão nossos mestres e nosso próprio lar? Porque vivemos neles.
Talvez mais que nos nossos acertos”.
“Eu vivi todos os meus 17 anos sofrendo, e ainda me falta muito para viver. A experiência do viver é constante e estou pronto para procurar saber o que é que o mundo significa, antes de apresentar meu relatório final”.
“Se sou pagão, tenho o testemunho dos Deuses da Natureza. Se sou ateu, tenho que me contentar com esse nome. Ninguém abrirá os ouvidos às minhas explicações”.
Filosofices aforísticas aos 17.
Minha vida, um compromisso marcado
Meu destino, ignorado
Amar, minha doença sem cura!
Um capricho do destino e pronto!
Uma nova procura se inicia
A brisa que vem e acaricia
Um adeus, uma vela, um novo porto
Onde dança você, liberdade?
Que faço para conseguir sua graça
Se foge, sempre que me chego
Se esconde, não importa o que eu faça?
Onde fico, nesse jogo traiçoeiro
Como posso entrar num jogo sem parceiro
Onde está a chave, onde fica a porta,
O que se vê é o laço, na ponta da corda
Me afasto da luz, abraço o escuro
Fugindo da vida, destruo o mundo
Outra canhestra tentativa poética aos 17.
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No cabide: férias
24 de abr. de 2007
Passou por aqui e se foi
Era uma vez ela. Ou não foi de manhã? Seus cabelos embaraçavam fantasias, reflexos, o beijo de ontem. Continuemos. Para onde? Sua casa já não a comportava, teve de sair, deslocando estrelas e gatinhos abandonados pelas ruas em espiral. O ano mudou de cor, tímido.
Ela segue confiante, suas esperanças emudecidas pelo calor. Os olhares que a acompanhavam esbarraram uns nos outros, impedindo-se mutuamente sua visão, cegando-se em surdina. Vinha de uma festa, não se sabe onde, mas havia mar, pois vestia ondas. Que se espalharam pela cidade, lavando fachadas e sentimentos velhos, guardados em aborrecidas gavetas trancadas, cujas fechaduras sonhavam com segredos espiados à meia luz, a meio som. A amarelinha da calçada cantava o verde e o lilás das pedras da rua, as pedras não cantavam. As pedras com seus sonhos mantinham a rua fixa no lugar, com vontade de correr, correr, correr. E voltar a um tempo em que o pensamento não nascera, a diferença não se fizera, o fluxo da vida simples como uma torneira aberta, vertendo vinho e néctar num abraço sem mistura.
Seus passos deixando sombras claras no chão luminoso, sua silhueta moldando o espaço obediente ao seu redor, ela entoava uma canção feita de infância e borboletas à luz de velas. Contaram-se as pedras do círculo e eram quatro, sete e nove. A voz suave do sol beijou seus cabelos de fantasias, reflexos e fogueiras à noite, no confuso turbilhão do primeiro caos, do tudo que nada é, do nada que é cheio de ontem. Os suaves braços se expandem, abarcam a existência no instante mesmo em que essa se nega, jubilosa, abismo intocado. E desaparece, docemente satisfeita, na praça onde as idades passavam no relógio de ar.
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No cabide: férias
22 de abr. de 2007
Easy Rider
Meu olhar percorre o horizonte, lento como o novo dia. Sob o céu claro, a pequena cidade se espalha, modorrenta em sua agitação de domingo. Nada do bucólico clima interiorano, isso é parte do passado. As casas, ruas, fumaça, pessoas, tudo acaba cercado pelo avanço inclemente da cana-de-açúcar. A vastidão verde-claro lembra um mar cercando uma pequena ilha de atol rasa e desprotegida. Seus habitantes, como caranguejos e pequenos répteis, se movem de lá para cá, inconscientes da ameaça na onda circundante. O aparente esteio do lugar, sua própria razão de existir, espreita, ameaçando engolir as construções, as gentes, a vida. Não é bonito de se ver.
Desvio os olhos para o céu imenso. De costume, encontro mais consolo olhando para as nuvens de dimensões épicas, durante os dias de calor sufocante, ou para as estrelas, nas noites pouco menos opressivas, povoadas de mosquitos e grilos, que nas diversões fabricadas do moderno. Mas ainda não anoiteceu, e o céu é um azul só, belo e monótono. É domingo; nesse dia, eu não sei viver.
Mecanicamente, começo a andar, a esmo como de costume. Queria pensar, observar esse pequeno pedaço de mundo e captar o que pudesse desse momento, mas minha atenção me falha; a visão geral borra, os detalhes desaparecem, sou uma máquina posta em movimento sem objetivo nem consciência, puro impulso. Eu quero ir embora, não exatamente desta cidade; alguma coisa me acena do lugar onde não estou, me convida para alguma outra coisa que não é agora, nem é aqui.
Quero ir embora, eu sempre quis. Só não sei para onde.
Essa angústia não me leva a lugar algum, nem serve a nenhum propósito. Eu a descarto. Nem sempre consigo me livrar dessas sensações incômodas, mais geralmente elas ficam agarradas como a ferrugem nos velhos portões dos casebres no meu caminho; hoje, sem motivo aparente, se soltam, como se nem mesmo me importunar lhes importasse. Hoje é domingo até mesmo para as minhas aflições. “Saímos a passeio. Voltamos na segunda-feira. Obrigado”.
O sol vai chegando ao pino, começa a ficar perigoso caminhar, o risco de insolação é grande, especialmente para quem bebe mais e come e dorme menos do que o razoável. Mas o prejuízo do corpo dá asas ao espírito; pelo menos sempre me pareceu assim, e em ocasiões como essa é possível deixar o corpo unido à terra, enquanto se dispara rumo a... ao que quer que haja além do cotidiano nosso de cada dia. Seja o que for, tem muitas formas de ser (ou antes, é amplo o bastante para acomodar as formas que imaginarmos); ultimamente, para mim significa sonhar acordado. Sonhar de verdade, como se faz durante o sono. Na verdade, esse é o meu estado normal, boa parte do tempo. Não que eu me ache singular nesse aspecto: a pesquisa científica a respeito já indicou que, normalmente, a humanidade vive num estado próximo às primeiras fases do transe hipnótico. A pretensão comum de vigília consciente não passa disso, pretensão. Minha singularidade consiste em reconhecer e aceitar o fato. Nem mais, nem menos. Bem, digamos que eu goste, também.
Me pergunto a razão destas idéias me assaltarem enquanto caminho; não encontro nenhuma. Muito independentes, os meus pensamentos se intrometem no meu sonho acordado com uma sem cerimônia que seria irritante, não fosse a placidez do dia. Soltos como um cão sem coleira, no dizer do italiano Dino Buzzatti sobre a mente de Albert Einstein, num conto diabólico. Diabólico. Soa bem, gosto disso. Sorrindo por dentro, interrompo o passeio num certo ponto. Meu farol, nas atuais noites escuras d’alma.
Continuo andando. Pouco tempo depois, estou de volta ao ponto de partida. Repentinamente, acaba: a serpente morde a cauda e eu mordo o meu tédio, ao chegar a essa casa que não é meu lar. O domingo escorre, oleoso, e barulhento, por conta dos vizinhos. Não os cumprimento: eu nada tenho para eles, eles nada têm para mim (a não ser sua incômoda eterna euforia; danem-se!).
Por fim, enfrentar o teclado novamente, perguntando-me o “o que” e “o porque” do que estou fazendo... Ora, essa pergunta já não tem mais sentido: estou fazendo e pronto! Sentido, pondero sabiamente, não se busca, se constrói; essas caminhadas são o projeto. Esses textos, a argamassa. Os sonhos, tijolos. Satisfeito, vou buscar a desempenadeira, há trabalho a fazer.
Vai ser um longo dia...
Que não se desespere o incauto leitor com o caráter monocórdico dos escritos ora apresentados. Ainda que o autor tenha se absolvido de antemão, sua inconstância promete mudanças, para bem ou para mal, quando menos esperadas. Esteja avisado, e passar bem.
Anotado pelo ex-amnésico à(s) 16:23 2 contrapontos
No cabide: outono
Hai Kai?
Acordei tarde hoje (nota: algum dia da semana passada). Levantei-me; de passagem pela sala, peguei um cigarro, fui até a cozinha em busca do sagrado café. Sobre a mesa, perto da garrafa térmica, o habitual bilhete lacônico de minha mãe, que me informa o que devo comer naquele dia.
Ela tem um jeito curioso de escrever; desta vez, me dizia que o que havia feito estava na panela depressão (ênfase minha).
Passado o choque inicial, fiquei ali parado, divagando. Panela/Depressão? Panela depressiva? Panela deprimida? Panela deprimente? Depressão, pá nela?
Como janelas popup, idéias desse jaez pipocavam em minha mente. Apareciam e desapareciam. Não trouxeram idéias novas, não suscitaram nenhum raciocínio. Apenas vinham e iam. Sem conseqüências. Peguei o café, voltei para o quarto, acendi o cigarro, consumi os dois, voltei a dormir.
Sem comer.
Anotado pelo ex-amnésico à(s) 01:08 1 contrapontos
No cabide: outono
21 de abr. de 2007
Pós-ressaca
Acho que fiz uma bobagem, ontem...
Bem, nada melhor que tirar vantagem das adversidades. Ter um espaço para expressar idéias, delírios e opiniões pode ser útil (principalmente quando se é um desocupado crônico que pensa demais). Mas o que realmente faria esse espaço valer a pena, o que justificaria o esforço em produzir alguma coisa, seria fazer barulho. Barulho de comentários, contraponto das postagens que venham a ser feitas, que a rigor servem apenas de música de fundo, papel de parede escrito. Qualquer coisa serve. Conversas não relacionadas com o tema, por exemplo. Piadinhas, com ou sem graça. Concordâncias, discordâncias ou indiferenças. Qualquer coisa serve.*
A idéia não é nova, nem minha. O projeto de uma música ambiental/incidental foi proposto pelo músico francês Erik Satie, que escreveu, entre outras coisas, um ensaio irônico, porém profético sobre as tendências da música “de mercado”, que viria a se tornar praticamente toda a música no séc. XX, tanto em composição como em divulgação. E que dá nome a esse blog. Eu divulgaria aqui, se não ferisse a lei de direitos autorais (e se eu não tivesse perdido o texto...).
Por gentileza, não esperem muita coerência ou consistência do autor, essas não são qualidades que se deva esperar de um amnésico semi retardado. Podem cobrá-las, por certo, mas nem sempre vai me ser possível satisfazer essa justa reivindicação. Farei o melhor que puder.
Torço para que este estilo retórico e vazio não aborreça quem venha a lê-lo. Minha esperança é que ele seja encarado com o humor com que encaramos os discursos dos pais da Pátria, dos intelectuais profissionais e o balbuciar de quem não sabe mais o que está dizendo, após o 5° copo. À sua saúde.
Posto isso, uma divagação. A criminologia divide o ato criminoso em três partes: motivo, meio e oportunidade. Para o crime que me disponho a cometer, só posso apresentar o meio. Culpe-se a informática. O motivo está enterrado em algum lugar do passado, em tempos mais criativos de uma mente que já percebe os sinais da decadência. A oportunidade é uma incógnita. Pertence àquelas “leis” da natureza que alguns chamam de acaso, coincidência ou coisa que o valha. Se esta publicação cumprir seus objetivos e se manter por algum tempo, o enigma da oportunidade deverá ser revelado. Senão, vá com Deus e as pulgas.
Finis.
*Aos espíritos de porco de plantão, só um pedido: apreciem com moderação.
Anotado pelo ex-amnésico à(s) 11:15 4 contrapontos
No cabide: outono
Com vocês, o farsante...
Não, esse não é um ato de coragem, apesar do receio em escrever para um público. Tampouco de desespero. O tempo tudo torna suportável.
Esse é um ato comum, de quem jamais tentou algo assim. Mas que sonhava, desde muito, com a oportunidade. A oportunidade de escrever. Apenas escrever.
Para o mundo, para ninguém. Principalmente, para si mesmo.
O tema não importa muito, o mundo ainda é grande, a vida plena de portentos e banalidades, a mente pródiga em sabedoria e erros crassos. Temas, eu insisto, não faltam. Talento? É uma questão de gosto. Alguns não verão nada que preste nessas linhas. Outros poderão se impressionar com a capacidade do autor em não dizer absolutamente nada. Por fim, alguns não chegarão ao final, entediados.
E todos estarão certos. E o talento, humilde, se recolhe a um canto. Um dia, chegará a sua vez. Mas não hoje.
Hoje é o dia da contração violenta nas entranhas, da escrita
espasmódica, do desconexo ponto de partida. Sem carta de intenções, sem objetivo defindido, sem esperança de ser lido ou de dar continuidade a essas bem traçadas linhas.
Essa é uma noite de ressaca e horror.
Madrugada de fúria surda.
Começou?
Anotado pelo ex-amnésico à(s) 02:25 2 contrapontos
No cabide: outono