Um Sonho Dentro de um Sonho
Edgar Allan Poe
Receba meu beijo sobre a fronte!
E, em apartando-nos doravante,
Permiti-me que te conte -
Não te enganaste, ao ter suposto
Que minha vida tem sido um sonho;
‘Inda que a esperança quede extinta,
Pela noite ou pelo dia,
Numa visão, ou em nada ainda,
Estaria assim menos perdida?
Tudo o que vemos ou supomos,
Será apenas um sonho dentro de um sonho.
Me encontro em rumorosa
Praia bravia e tormentosa,
Tendo eu a mancheia,
De dourados grãos de areia -
Quão poucos! E tão céleres, contudo
Por dentre os dedos vão-se ao fundo,
E eu soluço! - E eu soluço!
Oh Deus! Não lhes poderia eu reter
A custa de mais forte os prender?
Oh Deus! Não há um só que eu possa
Livrar da onda impiedosa?
Será tudo o que vemos ou supomos
Senão um sonho dentro de um sonho?
Os Horrores do Sono
Emily Brönte
O sono alegria não me traz,
Recordação a nunca terminar,
Em mistério minha alma se desfaz
E vive a suspirar.
O sono descanso não me traz;
Dos extintos possa a sombra,
Meus olhos despertos não ver jamais,
Rodeando minha cama.
O sono esperança não me traz,
As profundezas do sono os vai evocar,
E sua triste imagem faz,
Aumentar meu pesar.
O sono vigor não me traz,
Para lutar, nenhuma força nova,
Apenas singro em revolto mar,
Uma vaga inda mais trevosa.
O sono amizade não me traz,
Que traga ajuda e anelo,
Com que desprezo me vêm eles mirar,
E eu desespero.
No sono desejo não há,
Em que meu dorido coração folgue,
Tudo em mim quer se olvidar,
No sono eterno da morte.
Litania a Satã
Charles Baudelaire
Oh, primogênito entre os Anjos e deles o mais sábio,
Oh, caído Deus, dos céus pelo destino derribado,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.
Oh, primeiro dos exilados vitimados pela intriga,
A quem, porém, tem o ódio tornado mais forte ainda,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.
Oh, Rei subterrâneo, onisciente,
Pacificador do homem, eterno descontente,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.
Aos leprosos e excomungados tendes mostrado,
Que Paixão é o Paraíso lá embaixo,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.
Por vossa senhora, a Morte, nos é garantida,
A Esperança, imperecível concubina,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.
Tendes dado aos Culpados a face tranqüila,
Que amaldiçoa a ralé que cerca a guilhotina,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.
Conhecidas vos são as entranhas da Terra zelosa,
Onde Deus escondeu gemas deveras preciosas,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.
Vossa é a mão que se estende salvadora,
Àquele que, em seu sono, pelos telhados perambula,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.
Pelo poder vosso o Ébrio de titubeantes pés,
Cruza as tumultuadas ruas sem qualquer revés,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.
Para consolo de nossa fraqueza nos destes o uso,
Arguto e eficiente da pólvora e do chumbo,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.
Vosso terrível nome como em piche está escrito,
Na implacável fronte dos homens ricos,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.
Levam vossos passos a secretas vizinhanças obscuras,
Onde mulheres, por amor, imploram pela tortura,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.
Pai daqueles a quem Deus, com furor tempestuoso,
Lançou fora do Paraíso com espada e fogo,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.