31 de jul. de 2008

Sarabanda


Eu te daria rosas,
Se não estivesses
Desde já sangrando.

Comeria tua língua,
Malgrado sejas
Cega de nascença.

Eu te daria voz,
Não tivesses sempre
O horror no olhar.

Teu coração consolaria,
Para saboreares
Melhor tua angústia.

Eu te daria amor,
Carícia com chicote
De arame farpado.

Teu alento fétido
Como uma grinalda
De serpentes mortas.

Eu te daria fé,
Veneno que a existência
Instila em nossas vísceras.

Eu te daria vida...

E se tu chorasses?
E se tu gritasses?
E se tu morresses?

Eu te daria rosas...

22 de jul. de 2008

Mais definições pessoais:

Elite: Os dejetos da sociedade que boiam por cima das outras camadas sociais, tal como o resíduo de sílica* flutua sobre o metal incandescente;

Cineasta: Fungo malcheiroso que cresce no Brasil por falta de diretores cinematográficos;

Televisão: Com as indústrias farmacêutica, bélica e biogenética, prova que o extraordinário avanço tecnológico da humanidade é perfeitamente compatível com a imbecilidade crônica;

Best-seller: Uma maneira eficaz de tornar um livro algo supérfluo (quando não prejudicial);

Mirmecocida**: Uma fase (insana?) da minha quase esquecida infância;

Tempo: Substância radioativa — diminue pela metade após um prazo determinado — geralmente a partir dos trinta anos de idade;

Raciocínio: Está se tornando cada vez mais difícil;

Emoção: Está se tornando cada vez mais intolerável;

Ação: Está se tornando cada vez mais inútil;

Vida: Menos que uma maldição, um desafio; menos que um desafio, uma carga; menos que uma carga, um prazer; menos que um prazer, um hábito difícil de largar...


*
Mineral componente da areia, usado na forja do aço.
** Assassino de formigas!

18 de jul. de 2008

O que mais falta acontecer?!

As manchas solares não aparecem...


... e a "coroa" se rompe (a rajada de "vento solar" deve atingir a Terra amanhã).




Dados 'gentilmente cedidos' pelo site Space Weather (em inglês).

15 de jul. de 2008

Satyagrahaḥ

"Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros."

9 de jul. de 2008

Brasil, potência mundial!


5 de jul. de 2008

Além do "Centésimo Primeiro"

Com a transliteração de três obras de autores favoritos (dentre tantos outros), este blog atingiu sua centésima postagem. Como, não perguntem: eu não saberia responder.
O fato é que aqui está ele; como no início, uma nau sem bússola sob um céu sem estrelas, ameaçada por invisíveis arrecifes e acossada pelo canto traiçoeiro de sereias escondidas.

Dramático, não? Somente nos termos.

Iniciadas despretenciosamente, minhas notas ganharam leitores/colegas donos de blogs dentre os melhores existentes, além de comentários altamente favoráveis (pelos quais sou muito grato!); por outro lado, sinto uma certa pressão (auto-imposta, me apresso a declarar!) para manter tanto a freqüência quanto o ‘nível’ das postagens. Acredito, porém, que esteja perdendo a ‘espontaneidade’ e o resultado é reduzida quantidade de postagens dos últimos meses, se bem que minha atual crise depressiva possa ter alguma participação... Mas, tudo somado, não há com que se preocupar!

Afinal, desde sua viagem inaugural, essa ‘barca do Inferno’ estava destinada a singrar pelos mares revoltos da casualidade e cantar seus ‘autos’ contra a carência de objetivo e inspiração, fazendo do cotidiano mito e cantando seus heróis rumo ao Parnaso feliz das Musas, lar de minha amada Mnemosine, que fica além dos Oceanos conhecidos, para as bandas do Poente.

Em frente a todo pano! Terra Incognita da Felicidade, prepare seus portos e convoque suas damas: a nave está a caminho!

1 de jul. de 2008

Três Poemas de Dor e Mistério

Um Sonho Dentro de um Sonho

Edgar Allan Poe

Receba meu beijo sobre a fronte!
E, em apartando-nos doravante,
Permiti-me que te conte -
Não te enganaste, ao ter suposto
Que minha vida tem sido um sonho;
‘Inda que a esperança quede extinta,
Pela noite ou pelo dia,
Numa visão, ou em nada ainda,
Estaria assim menos perdida?
Tudo o que vemos ou supomos,
Será apenas um sonho dentro de um sonho.

Me encontro em rumorosa
Praia bravia e tormentosa,
Tendo eu a mancheia,
De dourados grãos de areia -
Quão poucos! E tão céleres, contudo
Por dentre os dedos vão-se ao fundo,
E eu soluço! - E eu soluço!
Oh Deus! Não lhes poderia eu reter
A custa de mais forte os prender?
Oh Deus! Não há um só que eu possa
Livrar da onda impiedosa?
Será tudo o que vemos ou supomos
Senão um sonho dentro de um sonho?


Os Horrores do Sono

Emily Brönte

O sono alegria não me traz,
Recordação a nunca terminar,
Em mistério minha alma se desfaz
E vive a suspirar.

O sono descanso não me traz;
Dos extintos possa a sombra,
Meus olhos despertos não ver jamais,
Rodeando minha cama.

O sono esperança não me traz,
As profundezas do sono os vai evocar,
E sua triste imagem faz,
Aumentar meu pesar.

O sono vigor não me traz,
Para lutar, nenhuma força nova,
Apenas singro em revolto mar,
Uma vaga inda mais trevosa.

O sono amizade não me traz,
Que traga ajuda e anelo,
Com que desprezo me vêm eles mirar,
E eu desespero.

No sono desejo não há,
Em que meu dorido coração folgue,
Tudo em mim quer se olvidar,
No sono eterno da morte.


Litania a Satã

Charles Baudelaire

Oh, primogênito entre os Anjos e deles o mais sábio,
Oh, caído Deus, dos céus pelo destino derribado,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.

Oh, primeiro dos exilados vitimados pela intriga,
A quem, porém, tem o ódio tornado mais forte ainda,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.

Oh, Rei subterrâneo, onisciente,
Pacificador do homem, eterno descontente,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.

Aos leprosos e excomungados tendes mostrado,
Que Paixão é o Paraíso lá embaixo,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.

Por vossa senhora, a Morte, nos é garantida,
A Esperança, imperecível concubina,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.

Tendes dado aos Culpados a face tranqüila,
Que amaldiçoa a ralé que cerca a guilhotina,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.

Conhecidas vos são as entranhas da Terra zelosa,
Onde Deus escondeu gemas deveras preciosas,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.

Vossa é a mão que se estende salvadora,
Àquele que, em seu sono, pelos telhados perambula,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.

Pelo poder vosso o Ébrio de titubeantes pés,
Cruza as tumultuadas ruas sem qualquer revés,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.

Para consolo de nossa fraqueza nos destes o uso,
Arguto e eficiente da pólvora e do chumbo,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.

Vosso terrível nome como em piche está escrito,
Na implacável fronte dos homens ricos,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.

Levam vossos passos a
secretas vizinhanças obscuras,
Onde mulheres, por amor, imploram pela tortura,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.

Pai daqueles a quem Deus, com furor tempestuoso,
Lançou fora do Paraíso com espada e fogo,
Satã, enfim, apiedai-vos de nossa dor.