Um Monólogo Stevensoniano*
— O que você está fazendo?
— Escrevendo.
— Sobre o que?
— A única coisa que sei: minhas dúvidas.
— E por que alguém se interessaria em ler isso?
— Essa é uma delas...
— Não tem medo que percebam que tipo de doente mental você é?
— Me surpreende que ninguém tenha percebido ainda!
— Mas se está claro que você é um psicótico maníaco-depressivo...!
— Hoje em dia se diz "transtorno bipolar de humor".
— Persiste a dificuldade em saber por que faz isso...
— "...uns estão despertos nas trevas, outros são sonâmbulos na luz."
— Como é?!
— Gibran Kalil Gibran. Foi ele quem disse.
— E o que isso significa?
— Não sei, gosto da frase.
— ...
— ...
— Se até agora você passou apenas por questionador confuso, esse diálogo pode pôr sérias dúvidas sobre sua sanidade mental no juízo dos leitores.
— Juízo? Palavra interessante de se usar!
— Você me entendeu...
— Sim, entendi.
— E então?
— De que adiantaria fingir normalidade? Quanto tempo poderia enganar alguém?
— Não tem se enganado esse tempo todo?
— Caralho!
— Não baixe o nível, por favor!
— Concordo, me desculpe. Onde estávamos?
— Estamos justificando o elogio de Erasmus de Rotterdam à loucura.
— Evidente exagero, este é apenas um diálogo sem rumo.
— Característica principal de suas ações e pensamentos, diga-se...
— Bem, que rumo você propõe que tenham? Se nem mesmo a própria vida tem rumo? Se, aliás, nem existe tal coisa de "vida"?
— Nietzsche falando...
— Ou Buddha.
— Ou isso.
— Isso.
— Insiste em continuar?
— Veja, tenho que apresentar alguma coisa...
— Por que?
— Por que? É uma excelente pergunta!
— Obrigado! E a resposta?
— Não estou bem certo; se você percorrer estes seis meses que exponho aqui, vai notar que não havia um objetivo definido desde o início. Por que haveria de existir um agora?
— É, boa resposta.
— Acha mesmo?! Ora, obrigado.
— Não tem de que; de qualquer forma, continuamos (me atrevo a incluir os leitores na minha dúvida) sem entender por que se expor assim.
— E por que não? Já pensou na possibilidade de eu não ter outra coisa para mostrar (ou fazer)?
— Então é apenas isso? Um mero passatempo?
— Na verdade não. Esquece que faço parte de uma comunidade de autores, que eu também leio, além de escrever?
— É verdade. Então é disso que se trata, retribuição?
— De certa forma, sim. Pelo menos em parte...
— Voltamos ao início...
— Não volta tudo?
— Então é assim que vamos concluir?
— Isso não é a conclusão, é só o começo...
— Começo? De que?
— Está querendo saber demais...
* De Robert Louis Stevenson, escritor inglês autor de "Strange case of Dr. Jekill and Mr. Hyde".
7 contrapontos:
"— Isso não é a conclusão, é só o começo...
— Começo? De que?
— Está querendo saber demais..."
Rssss..Sei como é, pensador!
Bjaum
Voltamos ao começo. Me lembrou aquela do "antes de conhecer o tao, uma montanha era só uma montanha; quando passei e meditar sobre o tao, a montanha deixou de ser montanha; quando dominei o tao, a montanha voltou a ser só uma montanha."
Bom post. Bom monólogo (eu conversando comigo não sou tão civilizado assim, hahah!)
Ah, e sabe que eu sempre confundo quem é o médico e quem é o monstro? Já fui fazer metáforas usando os dois e entrei pelo cano.
Antes de ler o asterisco no final do texto, meu comentário seria algo do tipo:
"caramba, a semelhança entre nós e o nosso modo de pensar e escrever é assombrosa!"
Mas constatando que isso é um trecho de um escritor famoso, só posso dizer:
Puta que pariu! A semelhança entre as nossas formas de pensar e escrever se assemelham de modo assombroso aos desse escritor, seja ele quem for!
Se você não tivesse dito, eu acharia que quem escreveu esse texto foi você. E sinceramente? Eu ainda acho!
Muito bom, de qualquer forma.
(Oh, um comentário original, finalmente!)
rsrsrsrs. muito bom! tb ia lendo já pensando no comentário. até ver o tal do asterisco! excelente o texto. aliás, sendo vc ou o autor do mesmo, devo dizer que escrevem de forma fantástica. É isso que me faz sempre voltar aqui. E mesmo qd não encontro novos textos, volto depois. Fanzoca. Mas isso tu já sabes.
Bjs.
Aproveitando a folga do capeta que tomou meu pc, esclareço: só o termo "Stevensoniano" é inspirado no inglês autor d'"O Médico e o Monstro"; esse belo monólogo é mesmo obra minha (e de minha sombra)! As ambiguidades deveriam ficar apenas no texto, não no título...
Envaidecido com seus elogios! Muito obrigado!
Pelo texto dá-se claramente para perceber os meandros desse pensamento conturbado. (rs)
Como sempre, um cara criativo. Excelente.
Faz tempo que não consigo conversar comigo... Ando muito anti-social!... rs...
(quando estava digitando, quase saiu um ain't social. Que estranho...)
Meu lado social se manifesta, e te manda um abraço.
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