Teias de aranhas pelos cantos, rolos de poeira ao pé dos poucos móveis. A porta trancada e a janela sempre fechada, numa tentativa frustrada de manter afastados o mundo no geral, e a vizinhança, no particular. No castelo desta casa, esse cômodo cumpre uma dupla e contraditória função: são as ameias de onde se vigia o exterior e de onde partem os ataques retaliatórios, dos quais este mundo certamente não chega a tomar conhecimento; e é a masmorra onde se trava uma luta diária com a loucura, enquanto se lançam olhares invejosos para a vida que se agita lá fora.
Este lugar é o meu quarto, ao mesmo tempo uma toca e uma jaula. Eu "vivo" aqui.
Como uma árvore que cresce num local inadequado, fixo minhas raízes neste espaço insuficiente com a tenacidade das coisas que não querem abandonar a existência por difícil que ela seja (uma vez perturbado o repouso do não-ser, uma vida vai cobrar uma força gigantesca para retornar ao estado inercial anterior).
Exagero: lendo isso, passo a impressão que eu jamais saio daqui, o que não corresponde aos fatos: eu me exponho, com certa freqüência, aos níveis sempre crescentes de raios ultravioleta do sol e à convivência cada vez mais decepcionante das pessoas.
Além do mais, meus venenos prediletos, o álcool e o tabaco, e minha mais antiga paixão, os livros, insistem em não vir de moto próprio às minhas mãos...
Então, eu tenho de sair.
Ainda que esta venha sendo a rotina de uma vida, até hoje não saberia dizer se me custa maior esforço sair deste cubículo ou voltar a ele: quando saio, é a segurança da fortaleza que abandono; quando volto, são as portas do cárcere que me recebem. Na noite do meu céu resplandece a Lua Negra: quero o que não tenho, tenho o que não quero, não faço o que gosto e não gosto do que faço.
Não, sim.
Sim, não.
Não, sim.
Sim. Não.
Não sei. Apenas, talvez, expanda minha confusão para essas paredes, ancore minha mente no espaço confinado por elas; sem limites a consciência não pode existir...
Eu vivi quase toda minha vida num espaço assim, em outro lugar, outra casa; aquelas paredes chegaram a fazer parte de mim, como o chão faz parte das raízes que sustenta, como foram cenário de paralisia e decadência. Já agora vão anos foram postas abaixo, não existem mais, outras foram erguidas em seu lugar. Parte de mim, para bem, para mal, deixou de existir com elas. Uma árvore transplantada. Raízes cortadas, regenerando-se lentamente. Esperando a lâmina do machado, entre quatro novas paredes.
Uma nova fortaleza. Uma nova masmorra.
Que venha...