20 de abr. de 2013

Chuva de Sangue


A mulher anda, cambaleando na calçada, sob um sol ardente. Eu sei: eu vi.  E eu vi outras coisas: carros nas ruas, gritando idiotices; pessoas nas lojas, comprando nada; caminhões dos prósperos indo para o lugar nenhum que eles criaram. 

 Eu estava apenas lá, olhando a vida. E eu vi chuva chegar, vermelha, densa, como sangue recém-derramado. Veio sem aviso, sob um sol abrasante, sem nuvens, sobre uma cidadezinha sem importância, sem razão de ser, sem presente, sem futuro, quiça com algum passado. 

 Foi ontem. Eu estava à toa na vida, como o Chico Buarque, meio bêbado como eu mesmo, sem saber o que fazer, onde ir, o que ser. O céu, azul como poucos de vocês jamais viram; o vento, gentil para os urubus que circulavam preguiçosamente acima de minha cabeça; a vida de sempre sendo sempre a vida de sempre... Não havia de ser nada diferente. 

 E então ela veio, precedida de um ribombo que não era trovão, nem era tiro de canhão; que não sei o que era. Só sei que veio, me chocou e deixou uma pergunta no ar... E mais de que uma pergunta: uma vibração, um ‘algo mais’ que eu não saberia definir... até que caiu a chuva vermelha - a chuva de sangue. Eu estava olhando para cima, como o retardado que me consideram, quando a primeira gota (ou lágrima, como seja) caiu no meu olho esquerdo. E a chuva veio, rubra como o Inferno. E foram só as poucas gentes da rua correndo, buscando abrigo, tentando esquecer o que acabavam de ver. Como a mulher cambaleante do começo do conto. 

 “Que Diabo!” “Deus me livre!” “É o fim do mundo!” - Foi o que disseram. E eu lá, de olhos abertos, meio bêbado, meio sonhando, no meio da chuva de sangue, rindo de dentes vermelhos como o idiota que sou...