Chuva de Sangue
A mulher anda, cambaleando na calçada, sob um sol ardente. Eu sei: eu vi. E eu vi outras coisas: carros nas ruas, gritando idiotices; pessoas nas lojas, comprando nada; caminhões dos prósperos indo para o lugar nenhum que eles criaram.
Eu estava apenas lá, olhando a vida.
E eu vi chuva chegar, vermelha, densa, como sangue recém-derramado.
Veio sem aviso, sob um sol abrasante, sem nuvens, sobre uma cidadezinha sem importância, sem razão de ser, sem presente, sem futuro, quiça com algum passado.
Foi ontem.
Eu estava à toa na vida, como o Chico Buarque, meio bêbado como eu mesmo, sem saber o que fazer, onde ir, o que ser. O céu, azul como poucos de vocês jamais viram; o vento, gentil para os urubus que circulavam preguiçosamente acima de minha cabeça; a vida de sempre sendo sempre a vida de sempre... Não havia de ser nada diferente.
E então ela veio, precedida de um ribombo que não era trovão, nem era tiro de canhão; que não sei o que era. Só sei que veio, me chocou e deixou uma pergunta no ar... E mais de que uma pergunta: uma vibração, um ‘algo mais’ que eu não saberia definir... até que caiu a chuva vermelha - a chuva de sangue.
Eu estava olhando para cima, como o retardado que me consideram, quando a primeira gota (ou lágrima, como seja) caiu no meu olho esquerdo.
E a chuva veio, rubra como o Inferno.
E foram só as poucas gentes da rua correndo, buscando abrigo, tentando esquecer o que acabavam de ver. Como a mulher cambaleante do começo do conto.
“Que Diabo!” “Deus me livre!” “É o fim do mundo!” - Foi o que disseram.
E eu lá, de olhos abertos, meio bêbado, meio sonhando, no meio da chuva de sangue, rindo de dentes vermelhos como o idiota que sou...